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Artigo – Zona cinzenta que permeia ITCMD nas doações de bens imóveis com elementos no exterior
20 DE MARçO DE 2025


Não é de hoje que se discute sobre a incidência e competência para cobrança do Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) quando se envolve doações que há algum elemento no exterior — seja o doador ou o donatário. Ocorre que, com os desdobramentos da reforma tributária, esse tema ganhou novos capítulos enquanto não há uma lei complementar federal que de fato regulamente essas transmissões.

Nesse contexto, é importante dar um passo atrás e relembrar o julgamento do Tema 825 de Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal em 2021 (RE 851.108). Na oportunidade, a corte decidiu pela inconstitucionalidade da cobrança por meio de leis estaduais de ITCMD sobre as doações advindas do exterior e inventários processados no estrangeiro.

O tema, na sua época, foi relevante, na medida em que os estados, dada a omissão legislativa, passaram a criar leis que regulamentassem a cobrança do referido imposto. Todavia, o STF acertadamente adotou o entendimento de que os estados não poderiam criar as respectivas leis, sob pena de violação ao artigo 155, § 1º, inciso III, da Constituição, que condiciona a cobrança de ITCMD com elementos do exterior à instituição de lei complementar. Ou seja, havia a necessidade de uma lei complementar que regulamentasse o tema.

Fato é que o STF decidiu pela inconstitucionalidade das aludidas leis estaduais, mas o que não se esperava era que não haveria uma posterior edição da lei complementar em questão, o que gerou um clima repleto de incertezas.

Regras mínimas

Em 2022, o STF concedeu um prazo de 12 meses para que o Congresso editasse a referida lei complementar. No entanto, depois de mais de dois anos na espera, isso não aconteceu. Por óbvio, os estados permanecem sem poder editar leis para cobrança do ITCMD nos casos em que envolvem algum elemento no exterior.

É completamente razoável que essa omissão legislativa traga insegurança para os entes federativos responsáveis pela cobrança do ITCMD quanto para os contribuintes, na medida em que ainda pode persistir a tentativa de alguns estados de continuar cobrando o ITCMD com as suas leis locais. Por esse motivo, a Emenda Constitucional nº 132/2023, conhecida como a reforma tributária, dispôs algumas regras mínimas para as transmissões com elementos no exterior, de modo a trazer um terreno mais fértil para ambas as partes.

É importante mencionar que essas disposições dispostas na emenda constitucional não são permanentes e não encerram de forma completa e exaustiva o debate. Por outro lado, é inegável que já foi um avanço, na medida em que se regulamentou a competência tributária para bens imóveis e doações com doadores no exterior. A referida argumentação está disposta no artigo 16, caput e incisos, da emenda.

Desse modo, enquanto não houver lei complementar que regulamente essa questão, há dois cenários importantes quanto à doação de bem imóvel com elemento no exterior. Primeiro, caso o doador tenha domicílio ou residência no exterior, a competência do ITCMD será do estado onde o donatário tiver domicílio (ou ao Distrito Federal). Já quando o donatário tiver domicílio ou residência no exterior, a competência do ITCMD será do estado ou DF em que o bem estiver localizado. Veja-se:

“Art. 16. Até que lei complementar regule o disposto no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, o imposto incidente nas hipóteses de que trata o referido dispositivo competirá:

I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal;

II – se o doador tiver domicílio ou residência no exterior:

  1. a) ao Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal;
  2. b) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal;”

Embora essa regulamentação não esclareça todos os pontos obscuros sobre o ITCMD quando envolve doações com elementos no exterior, fato é que, como já afirmado aqui, é um grande avanço de forma que os contribuintes não fiquem em uma zona cinzenta de incertezas.

Zona cinzenta continua

Em resumo, houve uma mudança relevante trazido pela reforma tributária, mas que não esgota os problemas e não sana o silêncio ensurdecedor do Poder Legislativo quanto à edição de lei complementar.

É notório que, a princípio, a emenda constitucional resolveu os problemas sobre a competência nos casos específicos, mas há de se lembrar que situações complexas são passíveis de acontecer e, mesmo estando no escopo do artigo 16 da emenda, necessitariam de mais regulamentação para que se chegasse a uma conclusão robusta.

Isso quer dizer que, em situações mais elaboradas e não tão simples, mas que, ao mesmo tempo, estejam no âmbito do artigo 16, há uma margem de discricionariedade grande dos estados para definir a competência.

Por esse motivo, é nítido que a zona cinzenta do tema continua permeando o Legislativo. Fato é que, caso o estado competente se depare com uma situação um pouco mais complexa, ele poderá agir e definir os critérios razoáveis para a cobrança ou, por conta da decisão de 2021 do STF ele deverá se manter inerte e não poder cobrar o ITCMD? Inegável o cenário incerto para os contribuintes em relação aos seus imóveis com algum elemento no exterior, como também para os entes federativos competentes para cobrar o ITCMD.

Diante dessa omissão legislativa – que foi parcial e temporariamente sanada pela reforma tributária -, os contribuintes podem ser forçados a recorrer ao Judiciário para evitar ou reverter cobranças incorretas, o que é custoso e moroso.

A edição da Lei Complementar – positivada no artigo 155, § 1º, inciso III, da Constituição – não só é importante para dirimir essa penumbra existente entre os estados, mas também ensejaria maior segurança aos brasileiros que fazem planejamentos familiares considerando haver algum elemento no exterior. Isto é, a ausência da regulamentação provoca também uma complexa dificuldade no planejamento sucessório.

Isso porque há uma quantidade considerável de brasileiros que crescem no Brasil e resolvem, depois de alguns anos, tentar a vida no exterior. Por exemplo, os Estados Unidos e Portugal são destinos comuns de migração dos brasileiros. Com isso, fato é que essas doações de bens imóveis com algum elemento no exterior não são tão incomuns quanto parecem ser. Além disso, os cenários, como já trabalhado, nem sempre são simples de forma que um regramento básico resolveria. As judicializações permanecerão acontecendo.

Os contribuintes, desse modo, não conseguem antecipar com segurança o impacto tributário de uma futura transmissão desses bens imóveis quando se encontra em um dos cenários sem regulamentação. Assim, os contribuintes ficam à mercê de uma incerteza que pode resultar tanto em uma carga tributária inesperada quanto em litígios prolongados para contestar cobranças eventualmente indevidas.

Considerações finais

Assim, indubitável a necessidade de edição de uma lei complementar para dar respaldo para a cobrança do ITCMD nas mais diversas situações que possam aparecer quando se tratar de doações de bens imóveis e envolver algum elemento internacional, de forma a trazer mais segurança tanto para os contribuintes quanto para os entes federativos.

De todo modo, fato é que, enquanto não há regra definitiva e total para cenários que envolvam doação de bem imóvel com algum elemento no exterior, os estados devem respeitar os limites fixados na jurisprudência nacional, principalmente a do Supremo Tribunal Federal, e o que ficou estabelecido na Emenda Constitucional nº 132, de forma a manter uma mínima segurança jurídica.

Isabella Mathias Vetere: é advogada tributarista formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Fonte: Conjur

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